Defesa no Brasil? Só a Zaga da seleção

Falar de defesa no Brasil é complicado.

Não existe uma cultura de defesa no Brasil, e tem um monte de razões culturais pra isso.

Os militares dão sua cotinha de contribuição sendo esse fiasco de relações públicas. O que não é de todo ruim. Caso eles comecem a chamar demais a atenção pra sí teriam que explicar como uma das forças armadas mais caras do mundo tem esse poder de fogo de país africano.

A imprensa também não. A pouca cobertura que recebe o assunto no Brasil nos grandes meios é realizada por gente como o Roberto Godoy do Estadão, um dos maiores expoentes do mau jornalismo no Brasil.

Garimpando aqui e alí dá pra achar algum site razoável ou blog razoável, mas no geral o nível é bem baixo.

Recentemente um me chamou atenção pelo baixo nível.

O Reinaldo Azevedo tem suas bolas foras. Mas ele na cobertura da compra dos caças da FAB tem feito um trabalho dentro do razoável.

Um blogueiro que se dedica a persegui-lo tentou rebater as acusações do Reinaldo no afã de defender o governo. Vamos aos melhores momentos:

Mas o que eu ia dizer é: a parte inquestionável da negociação era a transferência de tecnologia.  E isso, os EUA não fazem.  Não sei qual era a disposição dos suecos nesse quesito, mas cabe notar que partes críticas do Grippen são fabricadas sob licença norte-americana, logo…outra vantagem do Rafale sobre o Grippen é ser um bimotor _ por razões óbvias.  

Uma terceira vantagem não desprezível é que o Rafale já existe e voa, enquanto o Gripen NG ainda está em desenvolvimento.  E em quarto, pelo que andei lendo, a autonomia de vôo do Gripen é menor. Enfim, o Gripen não é um mau avião,  é mais barato, e parece ser melhor no conceito de guerra data-cêntrica, com melhores data-links que seus concorrentes.  Mas isso não é tudo.

Tem que rir. Uma das maiores coleções de clichês que já ví na vida.

Primeiro, a clássica: Os EUA não transferem tecnologia.

Como se a Coréia do Sul não tivesse fabricado o F-16 sob licença da Lockheed Martin e ainda auxiliado no desenvolvimento do T-50.

Ainda poderiamos citar o desenvolvimento do Mitsubishi F-2, a montagem do F-15J sob licença, o programa turco de upgrade local do F-16 e tantos outros. Acho que não existe nenhum outro país no mundo que transfira tanta tecnologia militar quanto os EUA.

E quais as restrições? Bem, eles vão cumprir somente aquilo que está no contrato, nenhuma virgula a mais. Por isso é tão complicado negociar com a industria americana, pois uma vez colocado no contrato, eles vão cumprir. E também se abster de negociar com países como Coréia do Norte, Irã, Síria e Venezuela. Eu não vejo nada demais nisso.

O segundo ponto é a confusão bi-reator vs monoreator.

A USAF opera monoreatores como o F-16. A IAF, aquela força aérea de segunda classe que tem como habito dar coças homéricas na USN e em seus vizinhos árabes e além de tudo issoopera em um dos ambientes mais hostis do mundo tem como seu caça principal um monoreator (F-16I) e do ultimo bastião dos bi-reatores, a USN, abandonou o barco e partido pros monoreatores.

O que aconteceu nesse período que levou a esta mudança de pensamento?

Primeiro a melhora na relação peso/potência tornou o segundo motor desnecessário na maioria dos projetos. Segundo, o nível de confiabilidades das turbinas aumentou consideravelmente nos ultimos 40 anos. Terceiro, a enorme quantidade de acidentes em que a despeito de uma turbina ainda funcionar o avião ainda caiu.

Uma brincadeira comum nos meios aeronauticos é que, em caso de acidente, a função da segunda turbina é levar o caça do ponto onde a primeira turbina falhou até a cena do acidente.

A rigor, a diferença entre os indices de segurança de caças monoreatores e bi-reatores é estatistica. Sim, certamente haverão casos em que a segunda turbina vai salvar a vida do piloto, e existem cenários onde essa diferença é crítica. A USN sempre focou-se em bi-reatores porque a sobrevivência de seus pilotos era praticamente impossível em determinados cenários, como em operações no mar do norte ou no meio do pacífico. Mas para a maioria dos cenários, a diferença é simplesmente estatística.

Os caças bi-reatores também tem seus contras. Dois motores são mais caros do que um, são consomem mais do que um e tem manutenção mais complexa do que um. E quebram mais do que um. Ou seja, o indice de disponibilidade de um avião bi-reator tende a ser ligeiramente menor do que um monoreator.

Parece que o nosso blogueiro no afã de criticar o Reinaldo se esqueceu de mencionar esses pequenos detalhes que citei.

Depois a vantagem de que o Rafale já voa e o Gripen NG ainda está em desenvolvimento.

Essa afirmação é uma meia-verdade.

O Gripen NG é uma modificação do Gripen C/D que já existe. Inclui remotorização e algumas alterações estruturais na célula e upgrades de sensores.

O Rafale que será vendido pro Brasil ou será o Rafale F3, que será francamente defasado em relação ao Gripen NG e já é defasado em relação ao Block II do F-18E ou será o Rafale F-3+, cujos melhoramentos ninguem sabe nem se vão todos sair do papel e ainda sim serão francamente inferiores ao F-18. Por exemplo, o Rafale nem remotamente apresenta a capacidade de guerra eletrônica que o F-18G possui.

O programa Rafale anda bem problemático na França, sendo que até bem pouco tempo eles sequer podiam lançar bombas guiadas a laser por ausência de integração do POD Damocles de designação de alvos.

Ou seja, enquanto que o programa Rafale possua um risco menor do que o programa Gripen, o programa Rafale está

Existe ainda um agravante. Enquanto o Gripen está integrado com armamento americano e armamento europeu, e o F-18 pode ser integrado facilmente com armamento israelense, o Rafale só está integrado com armamento francês, que é CARO, e alguns armamentos europeus.

O risco político também existe com a França. A primeira coisa que os franceses fizeram quando os ingleses entraram em guerra contra a Argentina foi justamente fornecer os codigos fontes e esquemas dos mísseis exocet para ajudar a marinha britânica a combater o míssil.

Em outro post, nosso especialista comenta sobre a vantagem do Rafale sobre o F-18E:

Segundo: o Hornet está no fim de sua curva de desenvolvimento.  É um caça de quarta geração, enquanto o Rafale é da chamada “geração 4,5″.  É claro que uma transferência integral de tecnologia de 4a geração seria melhor que uma TT “meia boca” de um de 4,5 mas, “ceteris paribus”, é melhor ficar com o 4,5.

O Hornet está no fim da sua curva de desenvolvimento? Ora, a depender da USAF vamos ter Hornet voando até pelo menos 2030, e do jeito que as coisas andam apertadas na USN, pode ser que ele ainda vá mais longe. A própria Boeing já fala em um Hornet Block III, e enquanto o F-18E tem a maior gama de armamentos já lançada por uma aeronave, o Rafale é restrito a armamento francês mais caro que o armamento americano. Isso pra não falar de desenvolvimentos como radares Phased Array já estão operacionais há mais de meia década enquanto que o radar phased array francês ainda é um projeto, e a melhor suite de contra-medidas do mundo que é americana.

No fim da curva de desenvolvimento está o Rafale, que ninguém sabe como fica nem quanto vai custar manter a aeronave quando a linha de produção fechar daqui há alguns anos e que está com pelo menos 10 anos de atraso em relação a radar e contra-medidas. E uma das raras unanimidades no mundo aeronautico militar é o pós-venda ruim dos franceses.

Esse conjunto de fatores (caça caro + armamento caro e limitado + sistemas caros e defasados + serviço de pós-venda ruim) somados as piores condições de financiamento dos caças americanos e britânicos é o que vem fazendo a França progressivamente perder clientes a cada geração de caças que fabrica. E o Rafale vem sendo escorraçado sistematicamente das concorrências das quais participa exatamente pelos problemas que citei. Pra defender no governo vale tudo.

Esse é só mais um exemplo de vários que se encontram em foruns de Defesa no Brasil em que uma compra técnica de bilhões de dolares é reduzida a um Fla-Flu. Não dá pra esperar muito de um país que trata bilhões de dolares dessa forma.

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